Comportamento


Filho fora de casa: as várias facetas de uma mesma criança

Em casa ele faz birra, chora e bate o pé. Na casa do amigo, vira um “anjo”, sempre comportado e gentil. Come mal aqui, come bem ali. Às vezes, o inverso. Por que a criança é capaz de se transformar dependendo do contexto em que está?

Marina Vidigal

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Uma semana na praia com os avós e tudo foi às mil maravilhas. As crianças brincaram, se divertiram, dormiram e comeram bem... No fim de semana, o reencontro com os pais: é aquela felicidade no início, mas, em pouco tempo, a lista de reclamações começa. Aos pais, claro. Um choro por nada, o outro não quer comer carne... (e tudo o mais que você sabe bem) 

Os avós dessa história fictícia – mas não incomum – provavelmente estão boquiabertos com a mudança de comportamento. Afinal, como pode a criança comer bem na casa dos amigos e rejeitar tudo em casa. Sempre. Ou, ainda, é tagarela em casa e se cala na rua, o tal “bicho do mato” que tanto falamos. As variantes são muitas, mas a pergunta é uma só: Por que raios meu filho é capaz de mudar tanto de uma hora para outra? 

Em um olhar cuidadoso, é possível notar até mesmo adultos modificando seucomportamento de acordo com o ambiente e as pessoas com quem estão. As atitudes podem ser mais cerimoniosas, formais, expansivas ou descontraídas. E com as crianças ocorre o mesmo – e de maneira ainda mais expressiva. “É comum a criança se comportar melhor longe dos pais. Na companhia deles, elas lançam mão de vários artifícios para chamar a atenção para si. Algumas ficam mais tímidas, outras fazem birra... Longe, por sua vez, se esforçam para se adequar ao ambiente, ao contexto social”, diz Ceres Alves de Araújo, que tem experiência de clínica há 40 anos e é autora do livro Pais que Educam, Uma Aventura Inesquecível (Ed. Gente). 

E por que também acontece ao contrário? “Em ambiente novo, em presença de adultos com quem não têm intimidade, é normal as crianças ficarem mais contidas, mais reservadas e até mais cordatas em relação aos limites que lhe são impostos. É natural que a volta para casa depois de uma tarde fora ou a simples chegada dos pais no ambiente, deixe a criança mais à vontade, pronta para afrouxar os freios”, detalha a psicóloga e psicopedagoga Ana Cássia Maturano, com base em mais de dez anos de experiência em clínica. 

CRESCER conta aqui histórias com as quais você vai se identificar. Colocamos os contextos, as estratégias utilizadas pelos pais para driblar as dificuldades e dicas preciosas de especialistas para cada situação. 
Situação 
Timidez e birras 
Luiza entrou na escola com pouco mais de 2 anos. Desde então, ficou evidente como ela se comporta diferente lá e em casa. A timidez, muito evidente, foi se tornando mais clara na medida em que a menina crescia. Até as birras ela reservava para explodir somente dentro de casa. Da porta para fora, Luiza sempre se mostrou educada, gentil e suave, independentemente da presença dos pais. “Em casa, ela falava muito, contava várias histórias, sempre de maneira muito entusiasmada. Chegava na escola, ficava quietinha, sempre na dela. Quando as professoras solicitavam sua participação, ela colaborava, mas jamais agia de maneira parecida com o que era em casa”, conta a vendedora Ana Paula Falchi, mãe de Luiza, hoje com 6 anos. 

Solução da mãe 

Paciência era a palavra do momento para Ana Paula, que procurou ajuda de especialistas até entender que era um comportamento normal, típico do desenvolvimento. “Ela estava enfrentando situações difíceis para ela, do dia a dia mesmo, do crescimento. A birra era o reflexo do cansaço, de uma exaustão que ela às vezes sentia. Procurei ser compreensiva nesses momentos e tive paciência até que ela evoluísse”. Com variações, Luiza manteve essa diferença de comportamento até os 6 anos, quando, enfim, a balança se equilibrou: ela ficou mais solta com as amigas e seu ritmo em casa ficou mais suave. “Acho que ela amadureceu e começou a se sentir mais segura por conta de uma série de conquistas, especialmente relacionadas à sua autonomia. Além disso, percebeu que, na escola, podia contar com o apoio das professoras. Levou um tempo, mas Luiza percebeu que poderia ser ela mesma também na escola”, detalha Ana Paula. 

Palavra de especialista 

Falando especificamente da timidez, a psicóloga Ana Cássia Maturano acha importante dizer que esse traço não deve ser visto como negativo. “Uma dose de timidez é saudável, é um cuidado natural que as pessoas têm. Em um ambiente não dominado, é saudável a pessoa adotar uma postura mais observadora e não se expor tanto. O importante é observar a medida dessa timidez.” Aos pais de crianças tímidas, Ana Cássia sugere que os respeite e os permita ingressar em novos grupos aos poucos, de maneira natural. 

Situação

Santo em casa, arteiro na escola
Toda vez que chegava da escola, Ricardo, de 4 anos, trazia uma porção de relatos surpreendentes. “Mamãe, meu amigo Alvinho jogou seu estojo pela janela da classe”, “Mamãe, o Alvinho fez xixi no lixo do banheiro”... 
Embora conhecesse o tal Alvinho e soubesse que o garoto era de fato do tipo “levado”, a artista plástica Maria Rita Fernandes, mãe de Ricardo, ouvia os relatos com alguma desconfiança. “E você? Também fez isso?”, sempre ouvindo de volta a negativa do filho. 

Solução de mãe 
De tanto insistir na conversa com o filho, um dia ela conseguiu a confissão: “Também fiz xixi no lixo da escola, mãe”. Foi um baque, porque, em casa, ele não tinha esse tipo de comportamento. Mas Maria Rita adorou. “Achei excelente ele ter enfrentado os receios e ter assumido a atitude que sabia ser incorreta.” E arrisca uma análise: para a mãe, o fato de a criança ter atitudes excêntricas na escola e chegar em casa relatando-a e responsabilizando um amigo mostra uma vontade da criança de dividir com ela aquela contravenção, e, no fundo, saber da sua opinião em relação ao ocorrido. 

Palavra de especialista 
Ana Cássia Maturano aponta para o “poder” dos colegas. “É comum as crianças tomarem alguns amigos como líderes e, para agradá-los, passarem a adotar comportamentos diferentes do usual. Diagnosticar o que está acontecendo, perceber a dinâmica de troca entre essas crianças é o primeiro passo para resolver a questão. Se as atitudes forem esporádicas e irrelevantes, OK. Mas, se as questões ficarem mais frequentes, vale também conversar com a escola e tentar limitar o convívio com essa liderança negativa.” Incentivar o fortalecimento de laços com outros amigos pode ser um caminho, já que novas amizades podem fortalecer a criança, reduzindo naturalmente a ascensão do líder sobre ela. 
Fonte: Revista Crescer

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